Imagine que alguém dissesse, há dois meses, que alemães e holandeses disputariam o título de seleção mais simpática da Copa do Mundo. Você acreditaria? E se alguém colocasse os iranianos na lista de torcedores mais fanáticos pela sua seleção? Se te mandassem esquecer a fama de exigente e reclamão do povo francês. Você conseguiria? O torneio disputado no Brasil entre os meses de junho e julho deste ano serviu para quebrar paradigmas. Para quem viveu e conviveu de perto com jogadores, funcionários e torcedores de diferentes nações durante um mês inteiro, a surpresa foi grande. A experiência, inenarrável.
A reportagem do GloboEsporte.com esteve nos dois hotéis que receberam as seleções que passaram por Salvador durante o Mundial. Funcionários do Deville e do Catussaba Resort, ambos localizados no bairro de Itapuã, na orla soteropolitana, contaram como foi a passagem de holandeses, espanhóis, portugueses, alemães, bósnios, iranianos, franceses, suíços, belgas e costarriquenhos – os americanos, que se hospedaram no Novotel, ficaram fora da lista – por solo baiano. A conversa rendeu deliciosas histórias de bastidores.
HOLANDESES, OS REIS DA SIMPATIA
Ao melhor estilo “simpatia gera simpatia”, os holandeses caíram nas graças dos brasileiros. Com largos sorrisos nos rostos, disposição para atender e fazer selfies com os fãs e treinos ao ar livre, os jogadores conquistaram a simpatia de todos logo que desembarcaram no Rio de Janeiro. E, na Bahia, não foi diferente. Funcionários dos dois hotéis foram unânimes ao apontar a equipe do técnico Van Gaal como a mais simpática entre as seleções que passaram pela cidade.
A simpatia foi conquistada com gestos simples. Carregar sua própria bagagem, por exemplo. Havia uma recomendação expressa para que os funcionários só carregassem a mala de algum jogador caso isso fosse solicitado. Cumprimentos em português. Palavras como “olá” e “bom dia” eram utilizadas pelos holandeses no contato com os brasileiros. Nada de separação entre atletas e hóspedes. Craques como Arjen Robben, Wesley Sneijder e Robbin van Persie circulavam sem qualquer restrição pelas áreas do hotel que eram comuns a todos.
O gosto dos holandeses pelo funk, gênero musical famoso sobretudo no Rio de Janeiro, também provocou surpresa entre os baianos. Eles gostavam tanto que, após voltarem de um treino na Arena Fonte Nova, dançaram empolgados no saguão do Hotel Catussaba. Mais emblemático para os funcionários, porém, deve ter sido observar o craque Robben ouvindo “Beijinho no ombro” a todo volume enquanto malhava em uma bicicleta. A música é um grande hit da funkeira Valesca Popozuda.
Houve também quem aproveitasse a estadia na cidade para aprender a tocar um instrumento musical. Ou pelo menos tentar. No Hotel Deville – a Holanda, que disputou em Salvador partidas contra Espanha e Costa Rica, esteve hospedada nos dois hotéis –, o zagueiro Bruno Martins Indi sentou-se ao lado de um hóspede alemão e arriscou os primeiros passos no piano. Sandra Haas Guimarães, gerente geral do empreendimento, conta como tudo aconteceu.
– Teve o caso de um torcedor que passou uma semana aqui. Todo dia, ele sentava no piano e tocava. Quando chegou o pessoal da Holanda, o Indi sentou e começou a brincar com ele. O alemão ensinou três notinhas, indicou para o Indi quando entrar com a nota e fizeram aqui uma festa. Um piano a quatro mãos muito divertido – conta (assista ao vídeo ao lado).
Outra curiosidade a respeito dos holandeses: é bem possível que nada tenha tirado o sono de Louis Van Gaal enquanto ele esteve em Salvador. Também pudera. O treinador escolheu a suíte presidencial do Deville para garantir o merecido descanso – foi o único profissional que usou as acomodações durante a Copa. O quarto, que mede 151 m² (mais a varanda, que mede 13,56 m²), dispõe de antessala, sala de estar, sala de jantar, lavabo, cozinha com copa e kit, closet, varanda, suíte e uma cama box spring com dimensões de 2,40 x 2,00m. O banheiro da suíte tem ducha e jacuzzi dupla hidromassagem com vista para o mar.
SELEÇÃO DE UM JOGADOR SÓ
A rápida passagem de Portugal pelo Deville não impediu o diagnóstico certeiro: os jogadores precisam de um psicólogo, exceção feita a Cristiano Ronaldo. A brincadeira é motivada pela atenção excessiva dispensada ao melhor jogador do mundo em detrimento do restante do elenco. Todos os cuidados, toda a segurança, todos os acenos eram destinados ao craque do Real Madrid. Aos demais, nada.
– A seleção mais difícil (de gerenciar) foi a de Portugal, em função até de eles carregarem uma estrela muito grande. Eram muitas fãs atrás de Cristiano Ronaldo. Toda a atenção era em cima dele. A coisa chegou a ser tão acintosa que a gente nem olhava para os outros jogadores. A preocupação era tanta com ele que os outros jogadores passavam despercebidos. Chegava a ser até constrangedor – explica a gerente Sandra Haas.
Mesmo com toda a preocupação em torno do craque, ele estava relaxado. A impressão deixada por Cristiano Ronaldo foi a melhor possível. Segundo relatos dos funcionários, ele atendeu a fãs e funcionários educadamente, além de, sempre que possível, fazer pose para selfies. Selfie, aliás, era a palavra mágica para chamar a atenção dele, como brinca Sandra Haas.
– Não teve uma pessoa que não tenha sido atendida pelo Cristiano Ronaldo. A estrutura do time estava muito tensa em relação a ele. Mas ele não estava tenso. A palavra mágica era selfie. Falava selfie, ele colocava a carinha dele e abria um sorriso – brinca.
E houve até quem desse a sorte de encontrar o craque nos corredores. Uma hóspede, que se instalou no hotel justamente para tentar ver CR7, acabou por encontrar o jogador livre de seguranças circulando entre os apartamentos. Muito simpático, Cristiano Ronaldo posou para fotos, autografou camisas da seleção portuguesa e ainda recebeu uma carta da fã apaixonada.
ESPANHA À BASE DE FEIJÃO E PEIXE NOBRE
Eliminados na primeira fase, com direito à goleada por 5 a 1 para a Holanda, queriam os espanhóis que a passagem pelo Brasil fosse lembrada apenas pelas peculiaridades gastronômicas. Para Henrique Amaral, subgerente operacional do Hotel Catussaba, a corrida desenfreada para encontrar um peixe nobre que alimentaria Andrés Iniesta, Xavi Hernández, Iker Casillas e companhia marcou muito mais do que a derrota acachapante para os holandeses na Arena Fonte Nova.
– Os espanhóis pediram um peixe que não se encontra com facilidade na Bahia. Mas aí a gente substituiu por outro peixe, e eles aceitaram tranquilamente. É curioso, mas você vai encontrar esse peixe com o nome de peixe-sapo. É um peixe de características estranhas, mas que é comum na Europa. Ele foi substituído por pescada amarela. A gente tentou utilizar um peixe nobre para substituir. O nosso chefe de cozinha, que é espanhol, nos informou que esse é um peixe nobre na Europa, e que a carne dele também é macia. Em termos de espessura, o nosso é mais grossinho. Já esse é mais fininho. Mas conseguimos fazer a substituição – conta.
Já para o brasileiro Diego Costa, nascido na cidade de Lagarto, interior de Sergipe, nada de peixe nobre. Naturalizado espanhol, o atacante do Chelsea foi pessoalmente na cozinha do hotel e solicitou o bom e velho feijão.
Mais um fato curioso envolvendo o atacante: Diego solicitou à gerência do hotel que fossem disponibilizados aposentos para 15 familiares que vieram de Sergipe. Com certa dificuldade, o pedido foi atendido, e todos foram hospedados no resort que fica ao lado do hotel, ambos da mesma rede.
EUFORIA IRANIANA
Nenhuma outra seleção provocava tantas dúvidas entre os funcionários quanto a iraniana. A quantidade de orientações recebidas antes do início do Mundial provocou apreensão geral, sobretudo entre as mulheres – que ouviram que os iranianos não gostariam de ser atendidos por elas. Valda Dantas de Barros, chefe de governança do Deville, conta que não foi bem assim durante o torneio.
– Pelo que passaram para a gente, tanto para mim, governanta, como para as camareiras, ficamos assustadas. Passaram que eles não gostam de ser atendidos por mulheres. Isso nos deixou muito tensas. E não foi nada do que foi passado. Eles sempre cumprimentavam a gente. Quando queriam alguma coisa, pediam para a gente. Depois que aprenderam onde ficava a minha sala, toda hora batiam lá. Saíam do sexto andar para me procurar no terceiro e pedir arrumação. Então foi muito gratificante. Todo mundo se sentiu o dono do pedaço – afirma, orgulhosa.
Depois da estadia em Salvador, houve quem comparasse, inclusive, as culturas baianas e iranianas, principalmente no quesito religiosidade. Os funcionários contam que eles se sentiram à vontade no hotel para montar altar, queimar incenso, colocar santinhos nos quartos, acender velas. E a gastronomia também marcou presença: membros da delegação levaram muitos doces e comidas típicas de seu país e deixaram, inclusive, os petiscos à disposição nos potes da recepção do hotel.
Também chamou a atenção a euforia da torcida do Irã. Quem esteve presente na chegada da seleção ao hotel conta que foi uma experiência inacreditável. Intensos, os iranianos, hospedados em grande número no Deville, tomaram o saguão e fizeram uma grande festa, entoando cânticos a plenos pulmões.
– Tinha muito iraniano no hotel. Eles carregam uma torcida muito leal. Então, aonde a seleção vai, eles vão. A energia dessa torcida era uma coisa surpreendente. A chegada deles ao hotel foi uma coisa de arrepiar. Primeiro, ficamos com medo, porque eles são muito intensos e têm uma cara meio enfezada. Eles são muito simpáticos, mas o biótipo do iraniano… Eles falam alto, são barulhentos. O que a gente descobriu aqui foi um povo completamente intenso, alegre e muito pacífico. Não tinha qualquer agressividade neles – diz a chefe de governança.
– Tinha muito iraniano no hotel. Eles carregam uma torcida muito leal. Então, aonde a seleção vai, eles vão. A energia dessa torcida era uma coisa surpreendente. A chegada deles ao hotel foi uma coisa de arrepiar. Primeiro, ficamos com medo, porque eles são muito intensos e têm uma cara meio enfezada. Eles são muito simpáticos, mas o biótipo do iraniano… Eles falam alto, são barulhentos. O que a gente descobriu aqui foi um povo completamente intenso, alegre e muito pacífico. Não tinha qualquer agressividade neles – diz a chefe de governança.
CORDIALIDADE FRANCESA
Da França, os baianos puderam confirmar a fama de refinados dos seus representantes. Os jogadores chamaram a atenção por usar trajes de gala antes do jogo contra a Suíça, o chef surpreendeu pelas escolhas culinárias sofisticadas, e o mordomo – isso mesmo, os franceses levaram um mordomo! – encantou pela elegância.
Os franceses também aproveitaram a estadia em Salvador para desfazer a fama de exigentes e reclamões que pesa sobre eles. E ainda proporcionaram uma das cenas mais bonitas vista pelos funcionários do Deville. Iana Raquel de Azevedo, caixa em restaurante, conta como foi.
– A história bonita que eu vi aqui, que mais me chamou atenção, foi quando a delegação da França chegou. Um menino pediu ao pai para se hospedar aqui, justamente para que ele pudesse ver um jogador. Eu não entendo muito de jogador, mas sei que ele estava muito animado para vê-lo. Ele ficou bem perto da recepção. Quando esse jogador passou, eles começaram a chamar a atenção dele, pedindo para tirar foto. Era um menino bem pequeno, com a roupinha completa da França. Esse jogador não só parou, como carregou o menino e deu um beijo na testa. Esse menino se derreteu e começou a chorar, abraçando o pai, e o pai abraçando ele. E os dois começaram a chorar. Foi muito bonito – conta.
COSTA RICA DA ZOEIRA
A Costa Rica chegou a Salvador em clima de “já ganhou”. Não que torcedores e jogadores acreditassem que passar pela Holanda nas quartas de final do Mundial fosse barbada. Pelo contrário. A impressão deixada pelos costarriquenhos foi de que, depois de ter chegado tão longe no torneio, qualquer que fosse o resultado ao final dos 90 minutos estaria de bom tamanho – a Costa Rica foi eliminada nos pênaltis pelos holandeses.
A alegria dos costarriquenhos logo foi notada por todos os funcionários do Hotel Deville. Diferente das outras seleções, eles quebraram o protocolo permitiram que familiares dos jogadores circulassem pelo lobby do hotel – não era permitido aos familiares que dormissem no local. O resultado não tinha como ser outro: uma verdadeira “bagunça”, como explica Sandra Haas Guimarães.
– A Costa Rica veio arrastando a metade do país junto com eles no ônibus. Era impressionante a quantidade de costarriquenhos aqui no lobby. Mas eles já são menos focados na torcida do que os iranianos. A torcida da Costa Rica era bagunça. Era tumulto. Eles já estavam tão felizes de chegarem nas quartas que, para eles, a Copa já estava ganha. Então isso aqui virou uma zona. Todos os protocolos que as outras seleções tinham, eles já não tinham. Foi um “sobe e desce” de amigos. Muita família. A família dos jogadores estavam em Salvador, mas a delegação não deixou que se hospedassem no hotel. Para a gente foi mais difícil, porque você perde o controle do acesso – afirmou.
Reportagem de: 01.08.2014
Disponível em:
http://globoesporte.globo.com/ba/noticia/2014/08/holandeses-funkeiros-costa-rica-da-zoeira-cr7-bastidores-da-copa-na-ba.html