Apresentação:
A Cidade do Rio de Janeiro está sendo palco de diversos projetos visando à preparação da cidade para a Copa do Mundo de 2014 e para os Jogos Olímpicos de 2016. As obras incluem instalações esportivas e do estádio Maracanã, infraestrutura no campo da mobilidade urbana (modernização e expansão do metrô, construção de corredores de ônibus, obras viárias de acesso à área urbana e reformas do Aeroporto Internacional Tom Jobim) e projetos de reestruturação urbana.
Seguindo a iniciativa da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa e das Olimpíadas, que lançou no final de 2011 o Dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil, o Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro lança agora o Dossiê Rio, tratando especificamente das violações dos direitos humanos nessa cidade. O Dossiê incorpora também os resultados da missão realizada pela Relatoria do Direito à Cidade da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Plataforma Dhesca), entre os dias 18 e 20 de maio de 2011, centrada nos impactos das intervenções vinculadas à preparação da cidade do Rio de Janeiro para receber os jogos da Copa do Mundo, em 2014, e das Olimpíadas, em 2016. A missão teve como objetivo central investigar eventuais situações de violação do direito à moradia decorrentes das obras de preparação da cidade para recepção desses dois eventos, e foi realizada em parceria com o Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro e com outras organizações sociais.
Como poderá ser observado, o Dossiê levanta diversas situações de nítido desrespeito aos Direitos Humanos e ao Direito Coletivo à Cidade, envolvendo o direito à moradia, à mobilidade, ao meio ambiente, ao trabalho, à participação, entre outros.Desde o momento em que foi anunciada a escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016, a grande imprensa, políticos e diversos analistas têm ressaltado as oportunidades da ampliação dos investimentos na cidade, destacando as possibilidades de
enfrentamento dos seus grandes problemas, como o da mobilidade urbana e o da recuperação de espaços degradados para a habitação, comércio e turismo, como é o caso da sua área central. Nesse contexto, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro desenvolve e anuncia o projeto da Cidade Olímpica, com o objetivo de acabar com a cidade partida, integrar, levar dignidade à população.
Entretanto, o início das intervenções na direção desse projeto permite afirmar que a cidade avança em sentido oposto ao da integração social e da promoção da dignidade humana. Os impactos das intervenções urbanas são de grandes proporções, e envolvem diversos processos de exclusão social, com destaque para as remoções. Para se ter uma ideia, as informações disponíveis permitem estimar gastos da ordem de um bilhão de reais com desapropriações, apenas para a implantação dos BRTs Bus Rapid Transit. Mas, para além das remoções, estão em curso transformações mais profundas na dinâmica urbana do Rio de Janeiro, envolvendo, de um lado, novos processos de elitização e mercantilização da cidade, e de outro, novos padrões de relação entre o Estado e os agentes econômicos e sociais, marcados pela negação das esferas públicas democráticas de tomada de decisões e por intervenções autoritárias, na perspectiva daquilo que tem sido chamado de cidade de exceção. Decretos, medidas provisórias, leis votadas ao largo do ordenamento jurídico e longe do olhar dos cidadãos, assim como um emaranhado de portarias e resoluções,
constroem uma institucionalidade de exceção. Nesta imposição da norma a cada caso particular, violam-se abertamente os princípios da impessoalidade, universalidade e publicidade da lei e dos atos da administração pública. De fato, as intervenções em curso envolvem diversos processos nos quais os interesses privados têm sido beneficiados por isenções e favores, feitos em detrimento do interesse público, legitimados em nome das parcerias público-privadas.
O Dossiê denuncia o processo de violação do direito à moradia e fala do desrespeito, pelas autoridades, do direito dos cidadãos e cidadãs de terem acesso à informação e a participar nos processos decisórios. Fala da subordinação dos interesses públicos aos interesses de entidades privadas (entre as quais destacam-seo Comitê Olímpico Internacional e grandes corporações), fala do desrespeito sistemático à legislação urbana e aos direitos ambientais, aos direitos trabalhistas e ao direito ao trabalho, fala do desperdício dos recursos públicos, que deveriam estar sendo destinados às prioridades da população. Enfim, fala da violação do direito à cidade.
Nesse contexto, o objetivo desse dossiê é chamar a atenção das autoridades públicas, da sociedade brasileira, das organizações de defesa dos direitos humanos, no Brasil e no exterior, para o verdadeiro legado do projeto Olímpico no Rio de Janeiro: uma cidade mais desigual, com a exclusão de milhares de famílias e a destruição de comunidades inteiras, e a apropriação da maior parte dos benefícios por poucos agentes econômicos e sociais. O Dossiê pretende mobilizar os movimentos populares, sindicatos, organizações da sociedade civil, defensores dos direitos humanos, cidadãos e cidadãs comprometidos com a justiça social e ambiental, a se somarem ao Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro na luta por outro projeto olímpico, resultado do debate público e democrático, com a garantida de permanência de todas as comunidades e bairros populares situados nas áreas de intervenção em curso. Um projeto que respeite o direito ao trabalho, onde os trabalhadores não sejam punidos por comercializarem no espaço público. Um projeto em que o meio ambiente seja efetivamente preservado. Um projeto no qual não existam privilégios aos grandes grupos econômicos, e onde os custos privados sejam pagos com
capitais privados, e não com recursos públicos.
Tendo como base o direito à cidade, ou seja, o direito dos cidadãos e cidadãs participarem das discussões e decisões relacionadas à cidade na qual vivem, esse Dossiê convida a todos e a todas a lutarem e resistirem contra o Projeto Olímpico marcado por processos de exclusão e desigualdades sociais e se mobilizarem em torno de um projeto de Copa do Mundo e de Olimpíadas que garanta o respeito aos direitos humanos e promova o direito à cidade.